sexta-feira, 2 de novembro de 2012

As dicotomias Saussureanas e sua implicações sobre os estudos linguísticos


Saussure (1973) deixou inúmeras contribuições, entre elas as famosas dicotomias: língua e fala, sintagma e paradigma, sincronia e diacronia, significante e significado. A partir de suas ideias, surgiram várias correntes linguísticas, seja contrariando-o, seja seguindo-o.

Língua e Fala

Saussure (1973) definiu o objeto de estudo da linguística moderna. Para ele, a fala é assistemática, heterogênea e concreta; já a língua é sistemática homogênea, abstrata e, portanto, passível de análise interna. A língua (langue) passou a estabelecer uma oposição à fala (parole). Sendo assim, Saussure promoveu o corte que deixa de fora as questões relativas à fala.

Em sua concepção, a língua faz a unidade da linguagem, ficando no âmbito da homogeneidade e do abstrato, sem considerar a exterioridade. O objeto da linguística é uma língua na qual se possam examinar as relações sistêmicas, abstraindo-se totalmente o uso. O corte saussureano excluía a subjetividade na linguagem, as unidades transfrásticas, as variedades linguísticas, o texto, as condições de produção, a história, o sujeito e o sentido. Com base na dicotomia “língua e fala”, alguns autores formulam oposições que resvalam na dicotomia saussureana, mas com denominações diferentes: Louis Hjelmslev (1975) emprega, respectivamente, os termos “esquema e uso”; Roman Jakobson (1981), “código e mensagem”; Noam Chomsky (1957), “competência e performance”.

Sintagma e Paradigma

A linguagem tem dois modos de funcionamento: a combinação (relações sintagmáticas) e a seleção (relações associativas ou paradigmáticas). Isto é, funciona a partir do encontro, na cadeia linguística, do eixo das relações sintagmáticas com o das relações associativas. O eixo sintagmático (mecanismo de combinação) é a realização da língua, representando a fala; o eixo paradigmático (mecanismo de seleção) representa o plano da língua, sistema disponível na memória do falante.

Sincronia e Diacronia

A linguística moderna, com Saussure, rompe com o estudo histórico e comparativo da linguística do século XIX. O mestre genebrino propõe estudar não mais como as línguas evoluem, mas como se estruturam (WEEDWOOD, 2002). Foca não mais a evolução, mas um determinado estado da língua, ignorando sua história. A linguística, portanto, pode abordar a língua nas perspectivas sincrônica (estuda a língua em um dado momento) ou diacrônica (estuda a língua através dos tempos). Saussure adotou a sincronia. Preocupou-se em compreender como funcionam e não como se modificam as línguas.

Significado e Significante

Outro aspecto básico dos postulados saussurianos é a do signo linguístico. O signo é o resultado de significado mais significante (SAUSSURE, 1973). (i) Significado: conceito ou ideia; (ii) Significante: elemento sensível ou plano de expressão. Toda palavra que possui um sentido é considerada um signo linguístico. Ex: “livro”. Quando se observa o signo “livro”, percebe-se que ele é a união de som (ou escrita) e conceito, ou seja, significante e significado, respectivamente. O signo apresenta duas características básicas: (i) arbitrariedade: uma das características do signo linguístico é o seu caráter arbitrário. Não existe uma razão para que um significante (plano de expressão) esteja associado a um significado (plano do conteúdo ou ideia). Isso explica o fato de que cada língua emprega significantes diferentes para um mesmo significado (conceito). Ex.: “mesa” (português); “table” (inglês); (ii) linearidade: os componentes que integram um determinado signo se apresentam um após o outro, tanto na fala como na escrita. É o eixo sintagmático. Implicações das dicotomias sobre as teorias de alguns autores. As discussões linguísticas mais atuais partem de Saussure, seja para defendê-lo, seja para contestá-lo. Apesar da importância do mestre suíço para a linguística, com inúmeras contribuições, ele e suas teorias foram e continuam sendo muito criticadas. O dinamarquês Louis Hjelmslev (1975), por exemplo, é um seguidor dos postulados de Saussure. Por meio de sua teoria chamada de Glossemática cria o termo “estrutura” para se referir à língua e troca a dicotomia língua/fala por esquema/uso. A partir da dicotomia significante e significado, constroem-se dois planos (expressão e conteúdo), subdividos cada um em forma e substância: (i) Plano da expressão (significante): 1. forma da expressão: campo da fonologia; 2. substância da expressão: campo da fonética. (ii) Plano do conteúdo (significado): 1. forma do conteúdo: campo da morfosintaxe; 2. substância do conteúdo: campo da semântica, das ideias. Outro autor que dá continuidade ao pensamento de Saussure é Roman Jakobson (1963, 1981). É também um precursor das investigações sobre a afasia na linguística. Começa os estudos da linguagem infantil e da afasia na Suécia (depois que foge da Tchecoslováquia, por causa do nazismo), em 1940, na Universidade de Estocolmo. (LOPES, 1997, p. 277). Segundo Jakobson (1981, p. 42), o estudo da afasia, perda da capacidade de transmitir ou compreender ideias, tem a ver com dois eixos da linguagem: (i) Paradigmático: a pessoa não consegue relacionar termos afins, como casa, prédio, etc.; (ii) Sintagmático: a pessoa não combina unidades verbais na cadeia linguística. Willian Labov (1972), ao contrário, contesta as dicotomias de Saussure. Para o linguista norte-americano, (i) diacronia e sincronia não são dicotomias, pois termos antigos convivem com os novos. Portanto, a diacronia está inserida na sincronia; (ii) e a fala não é assistêmica. Ela é sistêmica, pois configura uma classe, uma região. É, pois, organizada. Outro que contesta as ideias do mestre suíço é o dinamarquês Otto Jespersen (1959), que negou as dicotomias de Saussure, aceitando dele apenas a ideia de que a linguística pertence à ciência da linguagem. Não há como negar que Ferdinand de Saussure alterou o quadro geral dos estudos linguísticos. Suas dicotomias, definindo nomenclaturas e métodos de investigação, trouxeram consequências profundas à linguística. Se, por um lado, a opção pela língua, em detrimento da fala, foi frequentemente concebida como a condição necessária para a construção de uma ciência autônoma, por outro, considerou-se que o corte saussureano excluía as unidades transfrásticas, as variedades linguísticas, o texto, as condições de produção, a história, o sujeito e o sentido. Para analisar as condições sócio-históricas do uso da língua, ou seja, o discurso, seria preciso romper com a “linguística da língua” e, ao mesmo tempo, problematizar a noção de “fala”. Definitivamente, o legado de Saussure gerou muita polêmica. Não é à toa que o mestre genebrino é considerado “herói” e ao mesmo tempo “vilão” por muitas teorias contemporâneas. Esse “maniqueísmo” se deve ao fato de que as contribuições de Saussure provocaram o surgimento de duas grandes correntes ou tendências da linguística moderna: o formalismo e o funcionalismo. Nota-se que essas duas grandes vertentes correspondem, grosso modo, à dicotomia língua (formalismo) e fala (funcionalismo). Por isso é possível dizer que há uma linguística da língua (como o Gerativismo) e uma linguística da fala (como a Sociolinguística).

Formalismo

São chamados de formalistas os que veem a língua em sua forma, como um objeto descontextualizado. O formalismo preocupa-se mais com as características internas da língua, sem considerar suas relações com o meio ou o contexto em que ela se situa, desprezando a língua em seu uso e em sua dimensão sócio-histórica de produção. Os integrantes do Círculo Linguístico de Moscou, inaugurado em 1915 na Rússia, ficaram conhecidos como formalistas russos (LOPES, 1997, p. 181). Consideravam o princípio da imanência, isto é, estudavam a estrutura do texto, rejeitando qualquer consideração exterior a ele. Vladimir Propp (1984), autor de Morfologia do Conto Maravilhoso, pertencia a esse grupo. Os estruturalistas foram seguidores dos formalistas russos, buscando a abordagem imanentista do texto. Enquadram-se, por assim dizer, nos estudos formalistas da linguagem as seguintes correntes: o Estruturalismo saussureano e, de certo modo, o Gerativismo.

a) Estruturalismo saussureano

Aponta-se como marco do Estruturalismo saussureano o lançamento póstumo do livro Curso de linguística geral, de Saussure, publicado em 1916. Como dito anteriormente, a existência da referida obra se deu graças à contribuição de três de seus discípulos, a partir de rascunhos feitos nas aulas do mestre genebrino. Nos anos de 1960, na França, “viveu-se o apogeu da Linguística: ela teria sido a ‘ciência piloto’ entre as ciências humanas e oferecido para essas últimas um modelo de cientificidade” (PIOVEZANI, 2008, p. 17). As ideias do princípio estrutural de Saussure estiveram presentes em várias áreas das ciências humanas, como na Antropologia, História, Psicanálise, Sociologia, etc. Por esse motivo, pode-se dizer que existem “estruturalismos”, e não apenas o Estruturalismo saussureano. Uma preocupação marcante de Saussure foi estabelecer uma nomenclatura que pudesse melhor descrever os fatos da língua. Surgem, então, as dicotomias saussureanas, como descritas acima. Com a afirmação de que “a língua é uma forma e não uma substância” (SAUSSURE, 1973, p. 141), Saussure estabelece que a língua seria vista como forma, e a fala, como uma substância. Assim, a forma deve ser compreendida como essência, e a substância como circunstancial. O Estruturalismo saussureano está ligado ao formalismo por ver a língua em sua forma, como objeto descontextualizado. Com essa metodologia, a língua passa a ser pensada como sistema de signos, e a fala fica excluída dos estudos científicos da linguagem.

b) Gerativismo

Correspondendo à dicotomia língua-fala de Saussure, Chomsky (BORGES NETO, 2004) estabeleceu a dicotomia “competência-performance”. Competência linguística seria o conhecimento internalizado que os falantes possuem de uma língua para permitir o uso do conjunto de regras que se encontram presentes em sua mente no uso da linguagem. A performance, por sua vez, refere-se ao modo que o falante vai utilizar a linguagem, envolvendo aspectos extralinguísticos, como o ambiente, a sociedade e os interlocutores. Da mesma forma que Saussure foca a língua, a teoria gerativa vai centrar-se na competência, de caráter universal, relacionada à mente ou ao cérebro do falante. Para Chomsky (1957), a formulação dos enunciados é, em parte, determinada pelo cérebro do falante, na esfera responsável pela linguagem. Com isso, o Gerativismo defende a tese do inatismo: a linguagem como uma propriedade inata ao homem. Para o estruturalismo americano, a linguagem é fruto de um processo de aquisição a partir da práxis (prática social), como demonstrou Bakhtin (1992) com o dialogismo: a formação do ser pelas relações sociais. Com isso, a linguagem seria social e não biológica (ou mental). Chomsky, no entanto, ao defender o inatismo afirma que o homem já nasce com a linguagem. Com o objetivo de investigar o conhecimento implícito do falante, Chomsky inaugura a teoria da gramática gerativa, a partir da obra Syntactic structures, publicada em 1957. Uma das propriedades da linguagem humana (talvez a mais central) é que ela possibilita um uso infinito de meios finitos. Chomsky (1957) tomou essa propriedade como central para a construção de sua teoria. Assim, o linguista estipulou a possibilidade de um conjunto infinito de objetos a ser descrito a partir de um conjunto finito de regras ou enunciados gerais (BORGES NETO, 2004). Outra questão tratada pelo Gerativismo foi a existência de uma gramática universal (GU). A partir dessa concepção, todas as línguas têm pontos em comum, têm princípios gerais. Diante disso, fica clara a afirmação de que, ao contrário dos estruturalistas, que se baseavam nas diferenças, o Gerativismo vai focar a semelhança, defendendo os princípios universais presentes em todas as línguas. A língua é vista como um conjunto infinito a partir de um conjunto finito de elementos. A sintaxe tem importância porque é a partir dela que são geradas as orações. O modelo gerativo de gramática descreve e explicita o aspecto criativo de uso ilimitado e a capacidade que os seres humanos têm de produzir e compreender expressões nunca antes ouvidas.

Funcionalismo

A corrente funcionalista busca preencher um campo ignorado por Saussure ao estudar a função da língua na sociedade. O Estruturalismo saussureano, como visto anteriormente, preocupou-se com a estrutura da língua e não com sua função. O funcionalismo, ao contrário, vai se preocupar com a função das formas da língua, indo, portanto, além da preocupação interna da língua, considerando a relação entre língua e uso, entre língua e contexto social (PEZATTI, 2004). O Círculo Linguístico de Praga (Tchecoslováquia), fundado em 1926, empreendeu uma abordagem funcionalista, pois seus integrantes consideravam a linguagem em sua relação com a realidade extralinguística (NEVES, 2001). Havia como representantes Trubetzkoy, Karcevsky, Jakobson, por meio dos quais foi criada a distinção entre fonética e fonologia (LOPES, 1997, p. 274). Com base nos estudos funcionalistas, podem destacar-se algumas correntes como: a Pragmática, a Linguística Textual, a Sociolinguística, a Análise do Discurso e a Semiótica francesa.

a) Pragmática

A linguística funcionalista foca o contexto e a situação extralinguística, considerando a língua instrumento de comunicação. Segundo Halliday (1978), os interlocutores desempenham funções nas diversas situações comunicativas em que estão envolvidos. Essas funções acabam influenciando o próprio sistema da língua, pois a comunicação, inserida em contextos diversos, requer do falante a utilização de expressões que sejam adequadas a cada situação.
Para Halliday (1978, p. 158), “a organização interna da língua não é acidental; ela incorpora as funções que a língua desenvolveu para servir na vida do homem social”. Por isso, a organização interna da língua natural pode ser melhor explicada à luz das funções sociais. E é isso que faz a Pragmática, uma das principais disciplinas representantes da abordagem funcional dos estudos da linguagem. Em linhas gerais, pode-se definir a Pragmática como o estudo das relações entre linguagem e contexto inseridas na estrutura de uma língua. (LEVINSON, 1983, p. 9), ou seja, uma disciplina que estuda como a fala é usada na comunicação diária. O interesse está focado na comunicação efetiva, quais os efeitos que se pretende obter quando se fala. Com isso, a Pragmática aborda aspectos do significado que não são capturados em uma teoria semântica. (LEVINSON, 1983, p. 12). A vantagem de estudar a língua pela Pragmática é que se pode falar dos significados pretendidos pelos falantes, suas intenções, seus propósitos e que tipo de ações (por exemplo, pedido ou ordem) está sendo realizado quando se fala. Toda comunicação linguística envolve atos linguísticos. Segundo Searle (1981, p. 26), “falar uma língua é executar atos de fala, atos como: fazer afirmações, dar ordens, fazer perguntas, fazer promessas, etc.” . Por isso, um das preocupações da Pragmática é o estudo dos atos de fala. Com base em Austin (1962), há três tipos de atos: a) ato de locução: o ato de pronunciar ou enunciar palavras. O falante diz algo; b) ato de ilocução: pelo falar, o falante realiza uma ação: afirmar, perguntar, ordenar, elogiar, etc. Exemplo: ao dizer “prometo que”, o falante realiza o ato de prometer; c) ato de perlocução: são os efeitos que os atos ilocucionais provocam. O falante exerce uma ação sobre o seu interlocutor. Ao dar uma ordem, por exemplo, o locutor afirma a sua vontade e define o papel do seu interlocutor: obedecer ou executar o que lhe foi ordenado. Enfim, esclarecer, inspirar, assustar, convencer são atos perlocucionais. A abordagem pragmática permite considerar o texto oral (entendido como troca comunicativa entre interlocutores): estudo das conversações, da comunicação, argumentação, etc.

b) Linguística Textual

A tradição linguística restringia suas análises sempre até o nível frasal. A frase era a unidade máxima. Só em meados do século XX surgem as primeiras reflexões que analisam o nível textual ou transfrasal (BRANDÃO, 1990). A Linguística Textual nasce, dessa forma, como uma nova proposta perante as correntes línguísticas que se limitavam à análise da frase como unidade máxima (FÁVERO; KOCH, 2000). Se se tomar como base o desenvolvimento dos estudos em Linguística Textual (oriunda dos países germânicos), pode-se dizer que o conceito de texto passou por transformações, constituindo uma história da construção do conceito de texto. Há três fases na evolução da Linguística Textual (KOCH, 2004): as análises transfrásticas; as gramáticas de texto; as teorias do texto. (i) análises transfrásticas: Num primeiro estágio da Linguística Textual, o da análise transfrástica, os estudos partiam da frase para o texto, focando alguns fenômenos específicos: a correferenciação (anáfora), o uso de conectores interfrasais (relações lógico-argumentativas entre as partes dos enunciados) e o emprego dos tempos verbais. (ii) gramáticas de texto: A segunda fase da Linguística Textual foi marcada pela elaboração de gramáticas textuais, estabelecendo regras que formassem bons textos. Esse conjunto de regras constituiria a competência textual de cada usuário para permitir-lhe diferenciar um conjunto aleatório de palavras ou frases de um texto dotado de sentido. Outras características da competência textual seria a capacidade de resumir ou parafrasear um texto ou de produzir outros textos a partir dele. Enfim, a preocupação nessa fase é a competência textual dos falantes. (iii) teorias do texto: No início dos anos 80, o foco da Linguística Textual deixa de ser a competência textual dos falantes para considerar as noções (i) de contexto (exterioridade da língua) e (ii) de interação (relação entre o emissor e receptor). O texto passa a ser analisado em função do uso numa situação real de interação. Dessa forma, surgem os fatores de textualidade (conjunto de características que fazem do texto um texto): coerência e coesão; intencionalidade (produtor); aceitabilidade (receptor); situacionalidade (contexto); informatividade; e intertextualidade. Nessa nova etapa no desenvolvimento da linguística do texto, há uma nova concepção de língua, vista não mais sob o ponto de vista estrutural, mas como um sistema real que se vale do uso do contexto pragmático. A língua passa a ser um lugar de interação e de produção de sentidos. Nesse aspecto, o ouvinte tem um papel fundamental. Se, antes, desempenhava uma função passiva, agora se constitui como sujeito na interação. Isso também provoca um novo conceito de texto, não mais considerado um produto pronto e acabado, mas um processo, uma unidade em construção (KOCH, 2004). Embora as primeiras reflexões da Linguística Textual tenham trazido valiosas contribuições ao estudo do texto, ficavam ainda bastante ligadas à gramática estrutural. Nas duas primeiras fases, a noção de texto estava ligada à organização estrutural da língua, como um produto acabado, enfatizando seu aspecto formal. Com isso, essa terceira fase, assumindo um aspecto interdisciplinar e dinâmico, alteraria o quadro da Linguística Textual: o caráter apenas formal seria substituído pelas questões extralinguísticas, sociais e cognitivas. (BENTES, 2001). Por isso, pode-se considerar a Linguística Textual como uma corrente funcionalista. Como afirma Bentes (2001, p. 245), a Linguística Textual reintroduziu nas suas investigações o sujeito e a situação de comunicação que havia sido excluído da linguística estrutural.

c) Sociolinguística

A Sociolinguística é uma disciplina que remonta à década de 60, sendo, portanto, uma criança frente a outras disciplinas. Seu modelo teórico-metodológico foi fundamentado pelo linguista norte-americano William Labov (1972). A Sociolinguística, termo considerado redundante, já que a língua, por si só, é um fenômeno social, sendo impossível separá-la de suas funções sócio-interacionais, trata da relação entre língua e sociedade, privilegiando a língua, considerando os fatos sociais como meio para apreender o real linguístico (MONTEIRO, 2000). Dessa forma, ela investiga o papel de fatores extralinguísticos (localização geográfica, grau de escolaridade, classe social, sexo, idade) na influência da estrutura linguística. Além disso, seu objeto é a língua observada, descrita e analisada em situações reais de uso, dentro do contexto social. Em toda comunidade linguística (conjunto de falantes que compartilham a mesma língua), há o emprego de diferentes modos de fala. A essas diferentes maneiras de falar, a Sociolinguística concede o nome de variedades linguísticas. O conjunto de variedades linguísticas dentro de uma comunidade é chamado de repertório verbal (MOLLICA; BRAGA, 2003). Nessa concepção a mudança linguística é uma constante em toda língua. O primeiro passo é a variação, que pode tomar dois caminhos: estabilizar as variantes, coexistindo tais formas (substituta e substituída), ou desencadear a disputa entre ambas. Dessa forma, toda mudança é fruto de algum processo de variação. Esse caminho percorrido atravessa três fases (MONTEIRO, 2000): (i) origem (é a variação cujo uso se restringe a um grupo pequeno de falantes); (ii) propagação (um número maior de falantes adota a variação, convivendo com outras formas); (iii) realização completa (eliminação das variantes que competiam com tal forma). As variações ocorrem basicamente por dois fatores não linguísticos: geográfico (distância dos falantes no espaço) e social (classe social, idade, sexo, etc.). Dessa base, derivam-se as variações específicas (GARMADI, 1983):

a) Diacrônica: variação ao longo do tempo;
b) Diatópica: variação entre espaços geográficos diferentes;
c) Diafásica: variação conforme a situação na qual o falante se encontra (conversa
formal ou informal);
d) Diastrática: variação entre camadas sociais diferentes.

Pode-se ainda considerar outros condicionantes para ocorrer a variação de uma língua (GARMADI, 1983):

a) Socioleto: falar próprio de um grupo social, de uma classe social;
b) Tecnoleto: falar próprio de um domínio profissional (economês, internetês, etc.);
c) Bioleto: divide-se em dois tipos:
1. etoleto: falar próprio de pessoas de faixa etária distinta;
2. sexoleto: falar próprio do homem ou da mulher (Em geral, as mulheres costumam usar a linguagem mais próxima da forma padrão, ao passo que o homem adota uma linguagem mais rude).

Até aqui, consideraram-se as variações da língua no espaço geográfico e na hierarquia social. Porém a variação também pode ocorrer num mesmo indivíduo conforme a situação em que se encontra. São os estilos de fala ou registros. A esses diferentes ambientes do contexto extralinguísticos é reservado o nome de situação imediata. Portanto, o estilo de fala se adapta à situação na qual se encontra o falante, em função das circunstâncias em que ocorrem as interações verbais. Para tanto, o falante deve valer-se de sua competência comunicativa para saber escolher o melhor estilo que lhe convém, adequando sua fala ao lugar, ao momento e ao falante a que se dirige. A preferência por esta ou aquela forma se deve à forte influência que a classe social exerce na comunidade. Isso cria uma dicotomização: (i) a variante de prestígio é a norma culta, fala típica da classe dominante e imitada por causa de seu significado social; (ii) a variante estigmatizada, que comumente sofre preconceito. Como se vê, a Sociolinguística considera o contexto sócio-histórico e as particularidades da fala para compreender a língua e o seu funcionamento, inserindo-se na corrente funcionalista.

d) Análise de discurso de linha francesa (AD)

Com base nos princípios bakhtinianos (BAKHTIN, 1992), a Análise de Discurso de linha francesa (AD) é fundada por Michel Pêcheux (1988, 1990, 1998) no final da década de 1960 na França, quando o autor se encontrava numa crise teórica e política (desilusão com o Partido Comunista Francês). A AD nasce de três influências: marxista, psicanalítica e  linguística (PÊCHEUX, 1999). Essa corrente era denominada inicialmente “Análise do Discurso”, justamente por se voltar exclusivamente aos discursos políticos. Mas, depois da influência dos teóricos da história nova, como Certeau (1998) e Le Goff (1995), a AD se interessa pela análise do cotidiano e de outras formas de linguagem. Com essa expansão, sua nomenclatura passou de “Análise do Discurso” para “Análise de Discurso”, tendo como objeto qualquer discurso. É bom frisar o que a AD entende por discurso. Para ela o discurso não é um produto, concluído; é, antes, um processo, que questiona suas condições de produção (BRANDÃO, 1990): condições restritas (contexto imediato ou circunstâncias da enunciação) e condições amplas (conjunto de fatores econômicos, sociais, culturais, etc.). A AD, uma disciplina que figura entre a linguística e as ciências sociais, parte da língua (estrutura) para chegar ao contexto social e histórico do discurso (efeito de sentido da relação entre língua e mundo), analisando as condições de produção que se caracterizam pela situação e pela posição de quem pronuncia o discurso numa determinada estrutura social. Quando se fala da relação da língua com a sua exterioridade, deve ser incluída a memória, entendida como interdiscurso (memória discursiva). O dizer nasce da relação entre memória e atualidade, ou seja, entre o que se está dizendo com o que já foi dito. Mas nem sempre a vinculação com outros discursos se dá de forma transparente. A filiação a outros discursos é uma imposição da ideologia e do inconsciente. Não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia ou inconsciente, porque o sujeito sempre está atravessado por essas duas forças. A língua está inserida num discurso e este, por sua vez, na ideologia. Nesse ciclo, a ideologia se materializa no discurso e o discurso se materializa na língua (PÊCHEUX, 1999). A exterioridade que forma o ser são duas: o “outro” como interlocutor (virtual ou efetivo) e o “Outro” como interdiscurso, enquanto memória discursiva (BRANDÃO, 1990). Uma ideia que perdurou muito tempo nessa linha teórica, mas que hoje começa a perder sua força, foi a noção de sujeito assujeitado, ou seja, a consciência pensa ter autonomia quando na verdade quem comanda as ações é o inconsciente. Não se deve chegar ao extremo de asseverar que os sujeitos são assujeitados, como defendia Althusser (1985). Para ele, o sujeito, ao produzir seu discurso, é determinado por duas pressões: real da língua (estrutura) e real da história (ideologia).

e) Semiótica greimasiana

A Semiótica francesa, inaugurada por Greimas (1976), foi por muito tempo considerada uma teoria essencialmente formalista. Com o percurso gerativo do sentido, de caráter imanentista, a Semiótica se caracterizou como um modelo de descrição do sentido global do texto, ou seja, uma metalinguagem. Seu objeto de análise é o signo, tomado no sentido amplo do termo (texto verbal, não verbal e sincrético), enfim, tudo que carrega um sentido. Sua metodologia se organizou em torno da relação entre sujeito e objeto, ambos com investimento semântico de desejo, equivalendo o sujeito ao ser querente (ativo) e o objeto ao ser querido (passivo). “A existência semiótica é dada pela relação do sujeito com um objeto. Em outras palavras, um sujeito só tem existência na medida em que está em relação com um objeto.” (FIORIN, 2000, p. 178). Seu principal instrumento de análise, o percurso gerativo do sentido, é estruturado em três níveis de descrição, do mais abstrato ao mais concreto (BARROS, 1997):
(i) nível fundamental (instância profunda e abstrata);
(ii) nível narrativo (nível intermediário);
(iii) nível discursivo (nível próximo da manifestação textual).

O nível fundamental apreende as categorias semânticas fundamentais e mais abstratas de um texto, que correspondem aos fundamentos sobre os quais o sentido é construído. Um exemplo dessas categorias é a oposição vida / morte. O segundo nível descreve a narratividade que estrutura o discurso como um todo: as relações entre sujeito e objeto. O último nível, o discursivo, representa a etapa mais concreta do percurso gerativo do sentido, responsável, principalmente, pela apreensão da figuratividade e das relações entre enunciação e enunciado. Mas seu caráter de ciência imanentista se alterou com as contribuições da teoria da subjetividade de Benveniste (1989). Com a abordagem da enunciação, a Semiótica relaciona o percurso gerativo (essencialmente formalista) com a exterioridade do texto. Indispensável na produção de sentido, a enunciação é compreendida por duas vertentes (FIORIN, 1996): comunicação e produção. Na primeira, a enunciação é entendida por meio da relação do fazer-persuasivo de um produtor que visa a agir sobre um receptor, encarregado, por seu turno, do fazer-interpretativo. Essa primeira abordagem da enunciação é típica dos estudos da Retórica. No que diz respeito à produção, a enunciação é um ato que põe em funcionamento a língua, produzindo um enunciado. É impossível estudá-la diretamente, porquanto é uma instância linguística pressuposta pelo enunciado. Como seu produto, o enunciado pode conter traços que reconstituem o ato enunciativo. Esse mecanismo, que consiste em projetar no discurso as marcas de pessoa, tempo e espaço, é conhecido por debreagem, subdivida em dois tipos. A primeira é a debreagem enunciativa, que instala no enunciado as pessoas da enunciação (eu/tu), o espaço da enunciação (aqui) e o tempo da enunciação (agora), produzindo o efeito de sentido da subjetividade. A segunda é a debreagem enunciva, responsável pela instalação das pessoas do enunciado (ele), do espaço do enunciado (lá ou alhures) e do tempo do enunciado (então), criando o efeito de sentido da objetividade. No início, a Semiótica exclui o sujeito do discurso de sua reflexão. Quando se percebe que o sentido das palavras só consegue apreender uma parcela do conteúdo, força-se a restabelecer o vínculo entre o linguístico e o extralinguístico. O conceito de enunciação impulsiona a linguística a ultrapassar os limites da língua. Contrapondo-se ao estruturalismo, as teorias enunciativas destacam a fala, veem a linguagem como ação. Com isso, a Semiótica, caracterizada inicialmente como uma teoria descritiva que investiga a organização interna dos dispositivos significantes, fruto da herança estrutural, deixa de ser uma disciplina exclusivamente formal.

Fonte: REVELLI – Revista de Educação, Linguagem e Literatura da UEG-Inhumas
ISSN 1984-6576 – v. 3, n. 2 – outubro de 2011 – p. 38-55 – www.ueg.inhumas.com/revelli


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