domingo, 4 de novembro de 2012

A morte das línguas


A morte das línguas
Vimos um exemplo de um fenômeno comum: uma língua (como o latim),
quando se espalha por uma grande região geográfica (como a Europa), acaba com o tempo desdobrando-se em novas línguas que não existiam antes (como o francês, o espanhol, o italiano). Esse é um dos processos de formação de novas línguas. Mas podemos imaginar que, para cada língua que "nasceu" na Europa a partir do latim, dezenas de línguas "morreram". As pessoas que antes falavam outras línguas, acabaram falando uma forma do latim que hoje chamamos espanhol, francês, português, etc. Por exemplo, no tempo do império romano, toda a região do oeste da Europa (norte da Itália, Suíça, parte da Alemanha, França, Bélgica) era chamada Gália pelos romanos. Nessa região, falavam-se várias línguas celtas. Os gauleses resistiram à invasão romana (lembrem-se das aventuras do Asterix!), mas no fim foram dominados, e todas as línguas celtas que eles falavam desapareceram.
 Todas as estimativas de população são apenas aproximadas, porque a população mundial está crescendo muito rapidamente! Quando eu estava no colégio (1960), a população mundial era de 3 bilhões. No ano 2000, já tinha dobrado para 6 bilhões. Nos últimos sete anos, cresceu mais 700 milhões! As estimativas do número de falantes das línguas variam muito e dependem de vários fatores, como: quando a estimativa foi feita, quais variedades de cada língua foram consideradas, se inclui ou não falantes da língua como segunda língua, etc. A mesma coisa aconteceu nas Ilhas Britânicas, quando foram invadidas pelas tribos germânicas a partir do século V. Os povos germânicos massacraram e afugentaram os povos celtas que habitavam a ilha. A língua que resultou da invasão e conquista foi a língua inglesa (uma língua germânica), mas a custo da perda das línguas celtas indígenas da ilha. Hoje só restam línguas celtas nas margens da Inglaterra, no norte da Escócia, na Irlanda e no País de Gales. A parte ocidental (ao oeste) da península ibérica também foi colonizada por gauleses, povos de língua celta. É por isso que Portugal se chama porto-gal (porto gaulês), e que a língua falada na parte da Espanha que fica bem ao norte de Portugal se chama galego. Mas o português e o galego são línguas românicas, e não línguas celtas. As línguas dos antigos povos celtas desapareceram. Então vimos que algumas línguas crescem a custo de outras. As pessoas, numa região em que duas ou mais línguas são usadas, muitas vezes acabam optando pela língua que tem mais prestígio, que é usada pelo poder, e que pode trazer mais benefícios. Quando deixam de usar uma língua, e quando os últimos falantes daquela língua morrem, a língua também morre. Se a língua é escrita, ainda podemos saber algo sobre ela, mas a maioria das línguas não tem escrita e, quando morrem, desaparecem para sempre.
A morte de línguas continua acontecendo. Alguns lingüistas estimam que, nos próximos 50 anos, 50% das línguas que existem hoje – 3500 dos quase 7000 línguas – vão morrer. O Ethnologue lista 516 línguas no mundo já quase extintas. A maioria delas tem menos de 50 falantes. Veja a lista de línguas quase extintas para ver o número de pessoas que ainda falam essas línguas.
Repare quantas línguas brasileiras estão nessa lista! Lingüistas no Brasil
 incluem até mais línguas brasileiras ameaçadas de morte. As línguas de sinais do mundo não são exceções. Um artigo recente traz estatísticas que mostram que a população de surdos natos na Austrália está diminuindo.8 Com o controle genético, com o melhor controle da rubéola, com o implante coclear e com a política da inclusão, entre outros fatores, a comunidade surda australiana pode diminuir a ponto de ser difícil manter a língua de sinais australiana, dentro de algumas décadas. Alguns celtas que escaparam dos invasores germânicos fugiram para o oeste da França, onde ainda existe o bretão, outra língua celta que sobreviveu.

Ver, por exemplo, <http://www.ethnologue.com/nearly_extinct.asp>.
8Trevor Johnston, W(h)ither the deaf community: Population, genetics, and the future of
Australian Sign Language, Sign Language Studies, v. 6, n. 2, 2006.
11


 Fonte: Curso de Licenciatura em Letras-Libras
2007 - UFSC

O que a sociolingüística estuda


O que a sociolingüística estuda

No curso Introdução aos Estudos Lingüísticos, vocês aprenderam que a
lingüística faz interfaces com várias outras ciências. Este curso vai tratar da
língua em suas relações com a sociedade. A disciplina se chama
sociolinguística porque estuda a língua como um fenômeno social.
Quando vocês estudaram Saussure, vocês aprenderam que Saussure
acreditava que a língua não pertencia aos indivíduos, mas que era um
fenômeno social, de todo o grupo. Leiam o que Saussure disse sobre a língua:
"Ela é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo [...]; ela não existe
senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da
comunidade". Vocês podem achar, então, que a sociolingüística teria sido
fundada por Saussure. Mas isso não aconteceu. Saussure não estava
interessado nas relações entre a língua e a sociedade. Ele estava interessado
nas relações internas da língua entre os signos lingüísticos. Para Saussure, a
língua é uma complexa estrutura de distinções entre elementos lingüísticos:
fonemas, morfemas, e palavras.
Para poder estudar essa estrutura, Saussure precisava imaginar que a língua
de uma comunidade fosse uma coisa mais estável do que a fala de qualquer
membro da comunidade. A fala dos indivíduos pode variar, pode até ter
"erros", e pode falhar, mas a língua é um sistema abstrato de relações,
completo e unificado, e não pode ter erros, e nem falhas.
Para manter essa idéia de que a língua era um sistema só, sem variações, ele
insistia que a lingüística tinha que estudar a língua parada no tempo. Quer
dizer, para ver a ordem dentro da língua, você tinha que tirar uma fotografia
dela num instante de tempo. Porque Saussure insistia nesta sincronia?
Porque os filólogos, os professores que estudavam as línguas até então, já
sabiam que as línguas mudam com o tempo, e que elas sofrem influências
umas das outras. Saussure também sabia desses fatos, mas imaginava que
essa variação era só uma questão de tempo. Ele acreditava que em qualquer
instante, você poderia estudar a língua como ela é naquele instante, sem se
preocupar com a variação que aparece na fala das pessoas, e sem se
preocupar com a variação que aparece se comparar a mesma língua em
épocas diferentes.
Chomsky adotou uma atitude muito parecida. Ele estava interessado em
descobrir a estrutura da gramática universal, que ele acreditava ser inata. Ele
acreditava que só tinha uma maneira de descobrir a estrutura básica de todas
as línguas (a gramática universal): estudar o conhecimento intuitivo que as
pessoas têm da sua língua materna. Esse conhecimento ele chamava
competência, e acreditava que era estável, diferente da performance de um
falante (seu jeito de falar), que pode variar de um momento para outro.
Chomsky localiza esse conhecimento no cérebro do indivíduo, e não na
sociedade, como Saussure, mas o efeito é o mesmo. Os dois acreditavam que
as línguas eram suficientemente estáveis para permitir que fossem descritas
como sistemas perfeitos e invariáveis.
4
Essas teorias foram muito úteis para investigar as estruturas das línguas. Mas
para isso, elas tinham que idealizar a língua, e imaginar uma coisa parada no
tempo, que não variava entre um falante e outro, e nem entre uma ocasião de
uso e outra. Essa idealização do objeto de estudo é muito comum em todas
as ciências.
Mas é importante lembrar que essa visão da língua é uma idealização, e não
um fato. Os fatos das línguas apontam para outro conceito: nas línguas, a
variação está por toda parte.
O primeiro tipo de variação que notamos é que existem muitas línguas
diferentes no mundo. A língua não é uma coisa só. Ela pode tomar formas
muito diferentes. A grande diferença entre as línguas os antigos filólogos já
conheciam. Mas existe também muita variação dentro de cada língua, o tempo
todo, e essa variação é um fenômeno perfeitamente normal e extremamente
útil. Essa variação dentro de cada língua os antigos filólogos quase não
reconheciam. Era mais fácil reconhecer variação entre as línguas do que
variação dentro das línguas. Por quê?
Isso acontecia porque antigamente quem estudava as línguas estudava textos
escritos, tanto das línguas "vivas", como francês ou inglês ou português,
quanto de línguas "mortas", como latim, ou grego ou sânscrito. A língua escrita
é mais fácil estudar, porque ela fica parada no papel. Você pode ler e reler e
voltar a estudar novamente. É assim que descobriram que as línguas mudam
através dos séculos: comparavam a forma de escrever em 1800 com a forma
de escrever a mesma língua em 1500 e viam que eram diferentes. Mas em
cada época, a maneira de usar a língua na escrita era bastante padronizada,
comparada com a fala. Os textos eram geralmente escritos por homens
adultos cultos das classes mais favorecidas, e geralmente sobre determinados
assuntos. Os textos não retratavam a variedade de usos que as pessoas
comuns faziam da língua no seu dia-a-dia.1
Era muito difícil estudar a língua como ela é usada na forma falada, no uso de
todo dia, porque ela não é fixa. Ela some da memória em poucos instantes. É
quase impossível lembrar exatamente como uma coisa foi dita. Nós
lembramos o sentido mas não exatamente a forma. Isso só começou a mudar
a partir da invenção do gravador (e depois, da filmadora). Hoje em dia é fácil
gravar a língua em uso e ter um registro que pode ser estudado com tanto
cuidado e rigor quanto qualquer texto escrito. A sociolingüística e o estudo da
variação lingüística dependem da tecnologia de gravação.
Outro motivo de reconhecer mais facilmente a variação entre as línguas do que
a variação dentro das línguas é que as variações entre as línguas podem ser
muito grandes. Duas línguas podem parecer completamente diferentes uma da
outra. Diferentemente, a variação dentro de uma mesma língua pode ser mais
sutil, e pode passar despercebida. Muitas vezes, nem notamos as variações.
1 Existem importantes exceções. O livro Os Contos da Cantuária, escrito em inglês no século
XIV, imita regionalismos e particularidades da fala dos contadores das histórias.
5
Ou melhor: notamos as variações inconscientemente, mas não
conscientemente!
A sociolingüística estuda a língua em toda a sua variedade. Ela considera a
variação lingüística um fato que deve ser explicada: Quais são as formas de
variação? Quais são as causas da variação? Quais são as funções de tanta
variação nas línguas? Qual é a relação entre essa variedade e o uso social?
Fonte:  Curso de Licenciatura em Letras-Libras
2007 - UFSC
Professor Leland McCleary (USP)

Preconceito Linguístico


Preconceito Linguistico

Não existe no mundo quem não tenha uma ideia preconceituosa, porém, em alguns casos, entra em ação uma manipulação ideológica.
O Brasil, por desde 1500 ter sido residência de varias nações,  donos e tribos resultou numa difusão de vários dialetos, tornando-se um com línguas heterogenias.
As pessoas do Rio de Janeiro ao proferir a consonte “s” em palavras como posto, casta, história libera o som da consoante “x”. O Português do Maranhão é falado semelhante ao de Portugal. Os paulistanos e mineiros falam com bastante tenacidade o som da consoante “r”. Essas variações levam á uma discursão acirrada sabre qual a melhor fala, gerando, assim, certo preconceito linguístico quando uma pessoas diz uma palavra que fuga das concepções da gramática normativa .
“Preconceito linguístico é uma forma de preconceito a determinadas variedades linguísticas.” (Wikipédia, a enciclopédia livre, pt.wikipedia.org)
Assim a noção “correta” imposta pelo ensino da gramática normativa origina um inconvencionalismo contra as variedades não-padrão.
Para o sociólogo Nildo Viana, a linguagem é um fenômeno social e está ligada ao processo de dominação, tal como, o sistema escolar, que é a fonte da “dominação lingüística”.
“A ligação indissolúvel entre linguagem, escrita e educação com os processos de dominação, é a parte de preconceito lingüístico, pois a língua escrita veiculada pela escola se torna a língua padrão, e esta, a norma geral que todos devem seguir, mas o seu modelo se encontra entre os setores privilegiados e dominantes da sociedade.” (Viana, Nildo; Educação, linguagem e preconceito lingüístico Wikipedia, a enciclopédia livre; pt.wikipedia.org)
                       O uso da linguagem tem sido sempre marcado por intolerância e preconceito. Entretanto, a intolerância lingüística consegue ser mais mascarada que o preconceito. É muito comum você encontrar pessoas tentando corrigir outras em um português “à sua maneira”,como por exemplo em “olha gente” ou “oxente”
Enfim, infelizmente, por muitas pessoas a forma preconceituosa de analisar nossas variações como algo incorreto, não social , mas como disse nosso salvo enganado Graciliano Ramos, Palavra foi feita para dizer.



Chomsky: A Tese Inatista.
Noam Chomsky defende que o ser humano é provido de uma gramática inata, é dotado com uma aparelhagem herdada biologicamente para a  gramatica, ou seja, esta já nasce com a pessoa e vai de desenvolvendo conforme seu crescimento, que a fala é uma capacidade genética de todos os humanos. Chomsky não acredita que uma criança aprende a falar por meio da imitação de outras pessoas ou por meio de um processo estimulo-resposta. E sim, que toda criança considerada normal está predestinada a realizar determinadas atividades tais como adquirir estruturas gramaticais muito difíceis, tão rapidamente que, não o faria se tivesse que imitar todas as palavras que fosse capaz de dizê-las.
Para Chomsky, a criança possui um aparelho de aprendizagem chamado de DAL, que é acionado e se autua a partir de sentenças, que recebe o nome de IMPUT, que tem como implicação a língua a qual a criança está exposta. O IMPUT, é formado por muitas regras e a criança em contato com a língua, elege as regras que trabalham para aquela língua, desativando as que não funcionam. De acordo com essa proposta, a criança tem uma Gramática Universal GU, inata e que contém todas os preceitos de todas as línguas.


BIBLIOGRAFIA
1.   KATO, Mary A. No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1990. pp. 98 – 138.
2.   LYONS, John. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Tradução de Marilda Winkle Averbug. pp. 219 – 243.
3.   MAROTE, João Teodoro D`olim e FERRO, Gláucia D`olim Marote. Didática da Língua Portuguesa.
4.   SANTOS, Raquel. A Aquisição da Linguagem. FIORIN, José Luiz. (Org.). Introdução à lingüística: I objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002.
5.   SCARPA, Ester Mirian. Aquisição da Linguagem. In MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. (Orgs.) Introdução a Lingüística: domínios e fronteiras, v.2. São Paulo: Cortez, 2001. pp. 203 – 232.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

As dicotomias Saussureanas e sua implicações sobre os estudos linguísticos


Saussure (1973) deixou inúmeras contribuições, entre elas as famosas dicotomias: língua e fala, sintagma e paradigma, sincronia e diacronia, significante e significado. A partir de suas ideias, surgiram várias correntes linguísticas, seja contrariando-o, seja seguindo-o.

Língua e Fala

Saussure (1973) definiu o objeto de estudo da linguística moderna. Para ele, a fala é assistemática, heterogênea e concreta; já a língua é sistemática homogênea, abstrata e, portanto, passível de análise interna. A língua (langue) passou a estabelecer uma oposição à fala (parole). Sendo assim, Saussure promoveu o corte que deixa de fora as questões relativas à fala.

Em sua concepção, a língua faz a unidade da linguagem, ficando no âmbito da homogeneidade e do abstrato, sem considerar a exterioridade. O objeto da linguística é uma língua na qual se possam examinar as relações sistêmicas, abstraindo-se totalmente o uso. O corte saussureano excluía a subjetividade na linguagem, as unidades transfrásticas, as variedades linguísticas, o texto, as condições de produção, a história, o sujeito e o sentido. Com base na dicotomia “língua e fala”, alguns autores formulam oposições que resvalam na dicotomia saussureana, mas com denominações diferentes: Louis Hjelmslev (1975) emprega, respectivamente, os termos “esquema e uso”; Roman Jakobson (1981), “código e mensagem”; Noam Chomsky (1957), “competência e performance”.

Sintagma e Paradigma

A linguagem tem dois modos de funcionamento: a combinação (relações sintagmáticas) e a seleção (relações associativas ou paradigmáticas). Isto é, funciona a partir do encontro, na cadeia linguística, do eixo das relações sintagmáticas com o das relações associativas. O eixo sintagmático (mecanismo de combinação) é a realização da língua, representando a fala; o eixo paradigmático (mecanismo de seleção) representa o plano da língua, sistema disponível na memória do falante.

Sincronia e Diacronia

A linguística moderna, com Saussure, rompe com o estudo histórico e comparativo da linguística do século XIX. O mestre genebrino propõe estudar não mais como as línguas evoluem, mas como se estruturam (WEEDWOOD, 2002). Foca não mais a evolução, mas um determinado estado da língua, ignorando sua história. A linguística, portanto, pode abordar a língua nas perspectivas sincrônica (estuda a língua em um dado momento) ou diacrônica (estuda a língua através dos tempos). Saussure adotou a sincronia. Preocupou-se em compreender como funcionam e não como se modificam as línguas.

Significado e Significante

Outro aspecto básico dos postulados saussurianos é a do signo linguístico. O signo é o resultado de significado mais significante (SAUSSURE, 1973). (i) Significado: conceito ou ideia; (ii) Significante: elemento sensível ou plano de expressão. Toda palavra que possui um sentido é considerada um signo linguístico. Ex: “livro”. Quando se observa o signo “livro”, percebe-se que ele é a união de som (ou escrita) e conceito, ou seja, significante e significado, respectivamente. O signo apresenta duas características básicas: (i) arbitrariedade: uma das características do signo linguístico é o seu caráter arbitrário. Não existe uma razão para que um significante (plano de expressão) esteja associado a um significado (plano do conteúdo ou ideia). Isso explica o fato de que cada língua emprega significantes diferentes para um mesmo significado (conceito). Ex.: “mesa” (português); “table” (inglês); (ii) linearidade: os componentes que integram um determinado signo se apresentam um após o outro, tanto na fala como na escrita. É o eixo sintagmático. Implicações das dicotomias sobre as teorias de alguns autores. As discussões linguísticas mais atuais partem de Saussure, seja para defendê-lo, seja para contestá-lo. Apesar da importância do mestre suíço para a linguística, com inúmeras contribuições, ele e suas teorias foram e continuam sendo muito criticadas. O dinamarquês Louis Hjelmslev (1975), por exemplo, é um seguidor dos postulados de Saussure. Por meio de sua teoria chamada de Glossemática cria o termo “estrutura” para se referir à língua e troca a dicotomia língua/fala por esquema/uso. A partir da dicotomia significante e significado, constroem-se dois planos (expressão e conteúdo), subdividos cada um em forma e substância: (i) Plano da expressão (significante): 1. forma da expressão: campo da fonologia; 2. substância da expressão: campo da fonética. (ii) Plano do conteúdo (significado): 1. forma do conteúdo: campo da morfosintaxe; 2. substância do conteúdo: campo da semântica, das ideias. Outro autor que dá continuidade ao pensamento de Saussure é Roman Jakobson (1963, 1981). É também um precursor das investigações sobre a afasia na linguística. Começa os estudos da linguagem infantil e da afasia na Suécia (depois que foge da Tchecoslováquia, por causa do nazismo), em 1940, na Universidade de Estocolmo. (LOPES, 1997, p. 277). Segundo Jakobson (1981, p. 42), o estudo da afasia, perda da capacidade de transmitir ou compreender ideias, tem a ver com dois eixos da linguagem: (i) Paradigmático: a pessoa não consegue relacionar termos afins, como casa, prédio, etc.; (ii) Sintagmático: a pessoa não combina unidades verbais na cadeia linguística. Willian Labov (1972), ao contrário, contesta as dicotomias de Saussure. Para o linguista norte-americano, (i) diacronia e sincronia não são dicotomias, pois termos antigos convivem com os novos. Portanto, a diacronia está inserida na sincronia; (ii) e a fala não é assistêmica. Ela é sistêmica, pois configura uma classe, uma região. É, pois, organizada. Outro que contesta as ideias do mestre suíço é o dinamarquês Otto Jespersen (1959), que negou as dicotomias de Saussure, aceitando dele apenas a ideia de que a linguística pertence à ciência da linguagem. Não há como negar que Ferdinand de Saussure alterou o quadro geral dos estudos linguísticos. Suas dicotomias, definindo nomenclaturas e métodos de investigação, trouxeram consequências profundas à linguística. Se, por um lado, a opção pela língua, em detrimento da fala, foi frequentemente concebida como a condição necessária para a construção de uma ciência autônoma, por outro, considerou-se que o corte saussureano excluía as unidades transfrásticas, as variedades linguísticas, o texto, as condições de produção, a história, o sujeito e o sentido. Para analisar as condições sócio-históricas do uso da língua, ou seja, o discurso, seria preciso romper com a “linguística da língua” e, ao mesmo tempo, problematizar a noção de “fala”. Definitivamente, o legado de Saussure gerou muita polêmica. Não é à toa que o mestre genebrino é considerado “herói” e ao mesmo tempo “vilão” por muitas teorias contemporâneas. Esse “maniqueísmo” se deve ao fato de que as contribuições de Saussure provocaram o surgimento de duas grandes correntes ou tendências da linguística moderna: o formalismo e o funcionalismo. Nota-se que essas duas grandes vertentes correspondem, grosso modo, à dicotomia língua (formalismo) e fala (funcionalismo). Por isso é possível dizer que há uma linguística da língua (como o Gerativismo) e uma linguística da fala (como a Sociolinguística).

Formalismo

São chamados de formalistas os que veem a língua em sua forma, como um objeto descontextualizado. O formalismo preocupa-se mais com as características internas da língua, sem considerar suas relações com o meio ou o contexto em que ela se situa, desprezando a língua em seu uso e em sua dimensão sócio-histórica de produção. Os integrantes do Círculo Linguístico de Moscou, inaugurado em 1915 na Rússia, ficaram conhecidos como formalistas russos (LOPES, 1997, p. 181). Consideravam o princípio da imanência, isto é, estudavam a estrutura do texto, rejeitando qualquer consideração exterior a ele. Vladimir Propp (1984), autor de Morfologia do Conto Maravilhoso, pertencia a esse grupo. Os estruturalistas foram seguidores dos formalistas russos, buscando a abordagem imanentista do texto. Enquadram-se, por assim dizer, nos estudos formalistas da linguagem as seguintes correntes: o Estruturalismo saussureano e, de certo modo, o Gerativismo.

a) Estruturalismo saussureano

Aponta-se como marco do Estruturalismo saussureano o lançamento póstumo do livro Curso de linguística geral, de Saussure, publicado em 1916. Como dito anteriormente, a existência da referida obra se deu graças à contribuição de três de seus discípulos, a partir de rascunhos feitos nas aulas do mestre genebrino. Nos anos de 1960, na França, “viveu-se o apogeu da Linguística: ela teria sido a ‘ciência piloto’ entre as ciências humanas e oferecido para essas últimas um modelo de cientificidade” (PIOVEZANI, 2008, p. 17). As ideias do princípio estrutural de Saussure estiveram presentes em várias áreas das ciências humanas, como na Antropologia, História, Psicanálise, Sociologia, etc. Por esse motivo, pode-se dizer que existem “estruturalismos”, e não apenas o Estruturalismo saussureano. Uma preocupação marcante de Saussure foi estabelecer uma nomenclatura que pudesse melhor descrever os fatos da língua. Surgem, então, as dicotomias saussureanas, como descritas acima. Com a afirmação de que “a língua é uma forma e não uma substância” (SAUSSURE, 1973, p. 141), Saussure estabelece que a língua seria vista como forma, e a fala, como uma substância. Assim, a forma deve ser compreendida como essência, e a substância como circunstancial. O Estruturalismo saussureano está ligado ao formalismo por ver a língua em sua forma, como objeto descontextualizado. Com essa metodologia, a língua passa a ser pensada como sistema de signos, e a fala fica excluída dos estudos científicos da linguagem.

b) Gerativismo

Correspondendo à dicotomia língua-fala de Saussure, Chomsky (BORGES NETO, 2004) estabeleceu a dicotomia “competência-performance”. Competência linguística seria o conhecimento internalizado que os falantes possuem de uma língua para permitir o uso do conjunto de regras que se encontram presentes em sua mente no uso da linguagem. A performance, por sua vez, refere-se ao modo que o falante vai utilizar a linguagem, envolvendo aspectos extralinguísticos, como o ambiente, a sociedade e os interlocutores. Da mesma forma que Saussure foca a língua, a teoria gerativa vai centrar-se na competência, de caráter universal, relacionada à mente ou ao cérebro do falante. Para Chomsky (1957), a formulação dos enunciados é, em parte, determinada pelo cérebro do falante, na esfera responsável pela linguagem. Com isso, o Gerativismo defende a tese do inatismo: a linguagem como uma propriedade inata ao homem. Para o estruturalismo americano, a linguagem é fruto de um processo de aquisição a partir da práxis (prática social), como demonstrou Bakhtin (1992) com o dialogismo: a formação do ser pelas relações sociais. Com isso, a linguagem seria social e não biológica (ou mental). Chomsky, no entanto, ao defender o inatismo afirma que o homem já nasce com a linguagem. Com o objetivo de investigar o conhecimento implícito do falante, Chomsky inaugura a teoria da gramática gerativa, a partir da obra Syntactic structures, publicada em 1957. Uma das propriedades da linguagem humana (talvez a mais central) é que ela possibilita um uso infinito de meios finitos. Chomsky (1957) tomou essa propriedade como central para a construção de sua teoria. Assim, o linguista estipulou a possibilidade de um conjunto infinito de objetos a ser descrito a partir de um conjunto finito de regras ou enunciados gerais (BORGES NETO, 2004). Outra questão tratada pelo Gerativismo foi a existência de uma gramática universal (GU). A partir dessa concepção, todas as línguas têm pontos em comum, têm princípios gerais. Diante disso, fica clara a afirmação de que, ao contrário dos estruturalistas, que se baseavam nas diferenças, o Gerativismo vai focar a semelhança, defendendo os princípios universais presentes em todas as línguas. A língua é vista como um conjunto infinito a partir de um conjunto finito de elementos. A sintaxe tem importância porque é a partir dela que são geradas as orações. O modelo gerativo de gramática descreve e explicita o aspecto criativo de uso ilimitado e a capacidade que os seres humanos têm de produzir e compreender expressões nunca antes ouvidas.

Funcionalismo

A corrente funcionalista busca preencher um campo ignorado por Saussure ao estudar a função da língua na sociedade. O Estruturalismo saussureano, como visto anteriormente, preocupou-se com a estrutura da língua e não com sua função. O funcionalismo, ao contrário, vai se preocupar com a função das formas da língua, indo, portanto, além da preocupação interna da língua, considerando a relação entre língua e uso, entre língua e contexto social (PEZATTI, 2004). O Círculo Linguístico de Praga (Tchecoslováquia), fundado em 1926, empreendeu uma abordagem funcionalista, pois seus integrantes consideravam a linguagem em sua relação com a realidade extralinguística (NEVES, 2001). Havia como representantes Trubetzkoy, Karcevsky, Jakobson, por meio dos quais foi criada a distinção entre fonética e fonologia (LOPES, 1997, p. 274). Com base nos estudos funcionalistas, podem destacar-se algumas correntes como: a Pragmática, a Linguística Textual, a Sociolinguística, a Análise do Discurso e a Semiótica francesa.

a) Pragmática

A linguística funcionalista foca o contexto e a situação extralinguística, considerando a língua instrumento de comunicação. Segundo Halliday (1978), os interlocutores desempenham funções nas diversas situações comunicativas em que estão envolvidos. Essas funções acabam influenciando o próprio sistema da língua, pois a comunicação, inserida em contextos diversos, requer do falante a utilização de expressões que sejam adequadas a cada situação.
Para Halliday (1978, p. 158), “a organização interna da língua não é acidental; ela incorpora as funções que a língua desenvolveu para servir na vida do homem social”. Por isso, a organização interna da língua natural pode ser melhor explicada à luz das funções sociais. E é isso que faz a Pragmática, uma das principais disciplinas representantes da abordagem funcional dos estudos da linguagem. Em linhas gerais, pode-se definir a Pragmática como o estudo das relações entre linguagem e contexto inseridas na estrutura de uma língua. (LEVINSON, 1983, p. 9), ou seja, uma disciplina que estuda como a fala é usada na comunicação diária. O interesse está focado na comunicação efetiva, quais os efeitos que se pretende obter quando se fala. Com isso, a Pragmática aborda aspectos do significado que não são capturados em uma teoria semântica. (LEVINSON, 1983, p. 12). A vantagem de estudar a língua pela Pragmática é que se pode falar dos significados pretendidos pelos falantes, suas intenções, seus propósitos e que tipo de ações (por exemplo, pedido ou ordem) está sendo realizado quando se fala. Toda comunicação linguística envolve atos linguísticos. Segundo Searle (1981, p. 26), “falar uma língua é executar atos de fala, atos como: fazer afirmações, dar ordens, fazer perguntas, fazer promessas, etc.” . Por isso, um das preocupações da Pragmática é o estudo dos atos de fala. Com base em Austin (1962), há três tipos de atos: a) ato de locução: o ato de pronunciar ou enunciar palavras. O falante diz algo; b) ato de ilocução: pelo falar, o falante realiza uma ação: afirmar, perguntar, ordenar, elogiar, etc. Exemplo: ao dizer “prometo que”, o falante realiza o ato de prometer; c) ato de perlocução: são os efeitos que os atos ilocucionais provocam. O falante exerce uma ação sobre o seu interlocutor. Ao dar uma ordem, por exemplo, o locutor afirma a sua vontade e define o papel do seu interlocutor: obedecer ou executar o que lhe foi ordenado. Enfim, esclarecer, inspirar, assustar, convencer são atos perlocucionais. A abordagem pragmática permite considerar o texto oral (entendido como troca comunicativa entre interlocutores): estudo das conversações, da comunicação, argumentação, etc.

b) Linguística Textual

A tradição linguística restringia suas análises sempre até o nível frasal. A frase era a unidade máxima. Só em meados do século XX surgem as primeiras reflexões que analisam o nível textual ou transfrasal (BRANDÃO, 1990). A Linguística Textual nasce, dessa forma, como uma nova proposta perante as correntes línguísticas que se limitavam à análise da frase como unidade máxima (FÁVERO; KOCH, 2000). Se se tomar como base o desenvolvimento dos estudos em Linguística Textual (oriunda dos países germânicos), pode-se dizer que o conceito de texto passou por transformações, constituindo uma história da construção do conceito de texto. Há três fases na evolução da Linguística Textual (KOCH, 2004): as análises transfrásticas; as gramáticas de texto; as teorias do texto. (i) análises transfrásticas: Num primeiro estágio da Linguística Textual, o da análise transfrástica, os estudos partiam da frase para o texto, focando alguns fenômenos específicos: a correferenciação (anáfora), o uso de conectores interfrasais (relações lógico-argumentativas entre as partes dos enunciados) e o emprego dos tempos verbais. (ii) gramáticas de texto: A segunda fase da Linguística Textual foi marcada pela elaboração de gramáticas textuais, estabelecendo regras que formassem bons textos. Esse conjunto de regras constituiria a competência textual de cada usuário para permitir-lhe diferenciar um conjunto aleatório de palavras ou frases de um texto dotado de sentido. Outras características da competência textual seria a capacidade de resumir ou parafrasear um texto ou de produzir outros textos a partir dele. Enfim, a preocupação nessa fase é a competência textual dos falantes. (iii) teorias do texto: No início dos anos 80, o foco da Linguística Textual deixa de ser a competência textual dos falantes para considerar as noções (i) de contexto (exterioridade da língua) e (ii) de interação (relação entre o emissor e receptor). O texto passa a ser analisado em função do uso numa situação real de interação. Dessa forma, surgem os fatores de textualidade (conjunto de características que fazem do texto um texto): coerência e coesão; intencionalidade (produtor); aceitabilidade (receptor); situacionalidade (contexto); informatividade; e intertextualidade. Nessa nova etapa no desenvolvimento da linguística do texto, há uma nova concepção de língua, vista não mais sob o ponto de vista estrutural, mas como um sistema real que se vale do uso do contexto pragmático. A língua passa a ser um lugar de interação e de produção de sentidos. Nesse aspecto, o ouvinte tem um papel fundamental. Se, antes, desempenhava uma função passiva, agora se constitui como sujeito na interação. Isso também provoca um novo conceito de texto, não mais considerado um produto pronto e acabado, mas um processo, uma unidade em construção (KOCH, 2004). Embora as primeiras reflexões da Linguística Textual tenham trazido valiosas contribuições ao estudo do texto, ficavam ainda bastante ligadas à gramática estrutural. Nas duas primeiras fases, a noção de texto estava ligada à organização estrutural da língua, como um produto acabado, enfatizando seu aspecto formal. Com isso, essa terceira fase, assumindo um aspecto interdisciplinar e dinâmico, alteraria o quadro da Linguística Textual: o caráter apenas formal seria substituído pelas questões extralinguísticas, sociais e cognitivas. (BENTES, 2001). Por isso, pode-se considerar a Linguística Textual como uma corrente funcionalista. Como afirma Bentes (2001, p. 245), a Linguística Textual reintroduziu nas suas investigações o sujeito e a situação de comunicação que havia sido excluído da linguística estrutural.

c) Sociolinguística

A Sociolinguística é uma disciplina que remonta à década de 60, sendo, portanto, uma criança frente a outras disciplinas. Seu modelo teórico-metodológico foi fundamentado pelo linguista norte-americano William Labov (1972). A Sociolinguística, termo considerado redundante, já que a língua, por si só, é um fenômeno social, sendo impossível separá-la de suas funções sócio-interacionais, trata da relação entre língua e sociedade, privilegiando a língua, considerando os fatos sociais como meio para apreender o real linguístico (MONTEIRO, 2000). Dessa forma, ela investiga o papel de fatores extralinguísticos (localização geográfica, grau de escolaridade, classe social, sexo, idade) na influência da estrutura linguística. Além disso, seu objeto é a língua observada, descrita e analisada em situações reais de uso, dentro do contexto social. Em toda comunidade linguística (conjunto de falantes que compartilham a mesma língua), há o emprego de diferentes modos de fala. A essas diferentes maneiras de falar, a Sociolinguística concede o nome de variedades linguísticas. O conjunto de variedades linguísticas dentro de uma comunidade é chamado de repertório verbal (MOLLICA; BRAGA, 2003). Nessa concepção a mudança linguística é uma constante em toda língua. O primeiro passo é a variação, que pode tomar dois caminhos: estabilizar as variantes, coexistindo tais formas (substituta e substituída), ou desencadear a disputa entre ambas. Dessa forma, toda mudança é fruto de algum processo de variação. Esse caminho percorrido atravessa três fases (MONTEIRO, 2000): (i) origem (é a variação cujo uso se restringe a um grupo pequeno de falantes); (ii) propagação (um número maior de falantes adota a variação, convivendo com outras formas); (iii) realização completa (eliminação das variantes que competiam com tal forma). As variações ocorrem basicamente por dois fatores não linguísticos: geográfico (distância dos falantes no espaço) e social (classe social, idade, sexo, etc.). Dessa base, derivam-se as variações específicas (GARMADI, 1983):

a) Diacrônica: variação ao longo do tempo;
b) Diatópica: variação entre espaços geográficos diferentes;
c) Diafásica: variação conforme a situação na qual o falante se encontra (conversa
formal ou informal);
d) Diastrática: variação entre camadas sociais diferentes.

Pode-se ainda considerar outros condicionantes para ocorrer a variação de uma língua (GARMADI, 1983):

a) Socioleto: falar próprio de um grupo social, de uma classe social;
b) Tecnoleto: falar próprio de um domínio profissional (economês, internetês, etc.);
c) Bioleto: divide-se em dois tipos:
1. etoleto: falar próprio de pessoas de faixa etária distinta;
2. sexoleto: falar próprio do homem ou da mulher (Em geral, as mulheres costumam usar a linguagem mais próxima da forma padrão, ao passo que o homem adota uma linguagem mais rude).

Até aqui, consideraram-se as variações da língua no espaço geográfico e na hierarquia social. Porém a variação também pode ocorrer num mesmo indivíduo conforme a situação em que se encontra. São os estilos de fala ou registros. A esses diferentes ambientes do contexto extralinguísticos é reservado o nome de situação imediata. Portanto, o estilo de fala se adapta à situação na qual se encontra o falante, em função das circunstâncias em que ocorrem as interações verbais. Para tanto, o falante deve valer-se de sua competência comunicativa para saber escolher o melhor estilo que lhe convém, adequando sua fala ao lugar, ao momento e ao falante a que se dirige. A preferência por esta ou aquela forma se deve à forte influência que a classe social exerce na comunidade. Isso cria uma dicotomização: (i) a variante de prestígio é a norma culta, fala típica da classe dominante e imitada por causa de seu significado social; (ii) a variante estigmatizada, que comumente sofre preconceito. Como se vê, a Sociolinguística considera o contexto sócio-histórico e as particularidades da fala para compreender a língua e o seu funcionamento, inserindo-se na corrente funcionalista.

d) Análise de discurso de linha francesa (AD)

Com base nos princípios bakhtinianos (BAKHTIN, 1992), a Análise de Discurso de linha francesa (AD) é fundada por Michel Pêcheux (1988, 1990, 1998) no final da década de 1960 na França, quando o autor se encontrava numa crise teórica e política (desilusão com o Partido Comunista Francês). A AD nasce de três influências: marxista, psicanalítica e  linguística (PÊCHEUX, 1999). Essa corrente era denominada inicialmente “Análise do Discurso”, justamente por se voltar exclusivamente aos discursos políticos. Mas, depois da influência dos teóricos da história nova, como Certeau (1998) e Le Goff (1995), a AD se interessa pela análise do cotidiano e de outras formas de linguagem. Com essa expansão, sua nomenclatura passou de “Análise do Discurso” para “Análise de Discurso”, tendo como objeto qualquer discurso. É bom frisar o que a AD entende por discurso. Para ela o discurso não é um produto, concluído; é, antes, um processo, que questiona suas condições de produção (BRANDÃO, 1990): condições restritas (contexto imediato ou circunstâncias da enunciação) e condições amplas (conjunto de fatores econômicos, sociais, culturais, etc.). A AD, uma disciplina que figura entre a linguística e as ciências sociais, parte da língua (estrutura) para chegar ao contexto social e histórico do discurso (efeito de sentido da relação entre língua e mundo), analisando as condições de produção que se caracterizam pela situação e pela posição de quem pronuncia o discurso numa determinada estrutura social. Quando se fala da relação da língua com a sua exterioridade, deve ser incluída a memória, entendida como interdiscurso (memória discursiva). O dizer nasce da relação entre memória e atualidade, ou seja, entre o que se está dizendo com o que já foi dito. Mas nem sempre a vinculação com outros discursos se dá de forma transparente. A filiação a outros discursos é uma imposição da ideologia e do inconsciente. Não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia ou inconsciente, porque o sujeito sempre está atravessado por essas duas forças. A língua está inserida num discurso e este, por sua vez, na ideologia. Nesse ciclo, a ideologia se materializa no discurso e o discurso se materializa na língua (PÊCHEUX, 1999). A exterioridade que forma o ser são duas: o “outro” como interlocutor (virtual ou efetivo) e o “Outro” como interdiscurso, enquanto memória discursiva (BRANDÃO, 1990). Uma ideia que perdurou muito tempo nessa linha teórica, mas que hoje começa a perder sua força, foi a noção de sujeito assujeitado, ou seja, a consciência pensa ter autonomia quando na verdade quem comanda as ações é o inconsciente. Não se deve chegar ao extremo de asseverar que os sujeitos são assujeitados, como defendia Althusser (1985). Para ele, o sujeito, ao produzir seu discurso, é determinado por duas pressões: real da língua (estrutura) e real da história (ideologia).

e) Semiótica greimasiana

A Semiótica francesa, inaugurada por Greimas (1976), foi por muito tempo considerada uma teoria essencialmente formalista. Com o percurso gerativo do sentido, de caráter imanentista, a Semiótica se caracterizou como um modelo de descrição do sentido global do texto, ou seja, uma metalinguagem. Seu objeto de análise é o signo, tomado no sentido amplo do termo (texto verbal, não verbal e sincrético), enfim, tudo que carrega um sentido. Sua metodologia se organizou em torno da relação entre sujeito e objeto, ambos com investimento semântico de desejo, equivalendo o sujeito ao ser querente (ativo) e o objeto ao ser querido (passivo). “A existência semiótica é dada pela relação do sujeito com um objeto. Em outras palavras, um sujeito só tem existência na medida em que está em relação com um objeto.” (FIORIN, 2000, p. 178). Seu principal instrumento de análise, o percurso gerativo do sentido, é estruturado em três níveis de descrição, do mais abstrato ao mais concreto (BARROS, 1997):
(i) nível fundamental (instância profunda e abstrata);
(ii) nível narrativo (nível intermediário);
(iii) nível discursivo (nível próximo da manifestação textual).

O nível fundamental apreende as categorias semânticas fundamentais e mais abstratas de um texto, que correspondem aos fundamentos sobre os quais o sentido é construído. Um exemplo dessas categorias é a oposição vida / morte. O segundo nível descreve a narratividade que estrutura o discurso como um todo: as relações entre sujeito e objeto. O último nível, o discursivo, representa a etapa mais concreta do percurso gerativo do sentido, responsável, principalmente, pela apreensão da figuratividade e das relações entre enunciação e enunciado. Mas seu caráter de ciência imanentista se alterou com as contribuições da teoria da subjetividade de Benveniste (1989). Com a abordagem da enunciação, a Semiótica relaciona o percurso gerativo (essencialmente formalista) com a exterioridade do texto. Indispensável na produção de sentido, a enunciação é compreendida por duas vertentes (FIORIN, 1996): comunicação e produção. Na primeira, a enunciação é entendida por meio da relação do fazer-persuasivo de um produtor que visa a agir sobre um receptor, encarregado, por seu turno, do fazer-interpretativo. Essa primeira abordagem da enunciação é típica dos estudos da Retórica. No que diz respeito à produção, a enunciação é um ato que põe em funcionamento a língua, produzindo um enunciado. É impossível estudá-la diretamente, porquanto é uma instância linguística pressuposta pelo enunciado. Como seu produto, o enunciado pode conter traços que reconstituem o ato enunciativo. Esse mecanismo, que consiste em projetar no discurso as marcas de pessoa, tempo e espaço, é conhecido por debreagem, subdivida em dois tipos. A primeira é a debreagem enunciativa, que instala no enunciado as pessoas da enunciação (eu/tu), o espaço da enunciação (aqui) e o tempo da enunciação (agora), produzindo o efeito de sentido da subjetividade. A segunda é a debreagem enunciva, responsável pela instalação das pessoas do enunciado (ele), do espaço do enunciado (lá ou alhures) e do tempo do enunciado (então), criando o efeito de sentido da objetividade. No início, a Semiótica exclui o sujeito do discurso de sua reflexão. Quando se percebe que o sentido das palavras só consegue apreender uma parcela do conteúdo, força-se a restabelecer o vínculo entre o linguístico e o extralinguístico. O conceito de enunciação impulsiona a linguística a ultrapassar os limites da língua. Contrapondo-se ao estruturalismo, as teorias enunciativas destacam a fala, veem a linguagem como ação. Com isso, a Semiótica, caracterizada inicialmente como uma teoria descritiva que investiga a organização interna dos dispositivos significantes, fruto da herança estrutural, deixa de ser uma disciplina exclusivamente formal.

Fonte: REVELLI – Revista de Educação, Linguagem e Literatura da UEG-Inhumas
ISSN 1984-6576 – v. 3, n. 2 – outubro de 2011 – p. 38-55 – www.ueg.inhumas.com/revelli


Saussure: Uma filosofia da linguística?


1. UMA FILOSOFIA?

Algumas vezes Saussure definiu sua reflexão como uma filosofia da Linguística. Em uma conversa com Riedlinguer, seu aluno nos cursos ministrados em Genebra, conforme Bouquet (2002:76) retoma tal como observamos: “Saussure tratará este ano das línguas indo-européias e dos problemas que colocam. Isso será uma preparação para um curso filosófico de Linguística”. Aparentemente, o professor denominava seu ensino de filosófico, mas o que ele tinha em mente ao falar de uma dimensão filosófica da Linguística em 1910? Essa denominação é comum nessa época. No século XIX os estudos estavam sob o rótulo de filosóficos, tínhamos a “filosofia da botânica”, a “filosofia da química”, a “filosofia da história”, entre tantas outras. O termo se aplicava a qualquer saber que contivesse princípios universais ou fundamentais acerca de uma arte ou ciência. Apenas no fim do século XIX que se iniciou um conceito mais delimitado do termo com o nascimento da Epistemologia. Será que podemos dizer que Saussure tratou de uma epistemologia da Linguística? A Epistemologia pode ser entendida como um estudo da origem, natureza ou limites do conhecimento de uma ciência, um “estudo da ciência”. O termo remete a Platão, que visava questionar “o que é o conhecimento” e “como podemos alcançá-lo”. Duas posições surgem desse questionamento: o empirismo e o racionalismo. Ou seja, o conhecimento é baseado na experiência, ou ele tem suas origens na razão humana. Podemos reconhecer na reflexão saussuriana uma preocupação com a natureza e os limites do conhecimento da linguagem. Saussure desenhou, desse ponto de vista, uma visão filosófica da linguagem e da língua. Porém, o estudo de Saussure sobre a língua e a linguagem apresenta, em seus limites e natureza, um saber negativo, não-positivo. Os construtos teóricos em que Saussure edifica sua reflexão da língua como um sistema de signos repousam numa natureza absolutamente negativa. O termo ciência hoje nos remete a um saber positivo e invariavelmente empírico. Isto envolve a manipulação do objeto, e a formulação matematizada de leis que permitem observar este objeto. Desse modo o objeto é dado de antemão, graças à verificação empírica os conceitos são fixados a posteriore. Mas o saber com que Saussure lidava, o saber nãopositivo, lida com conceitos primitivos, ou seja, “o ponto de vista que cria o objeto” nesse caso, não há um objeto estabelecido antes dos conceitos formulados. Desse modo, o objeto não é diretamente observável ou demonstrável empiricamente, é uma abstração imposta, uma escolha metodológica ou filosófica mesmo, no sentido de que se escolhe um modo de olhar para o objeto que o cria, que “faz a coisa” surgir. Os dados são construídos a partir de hipóteses e não de uma manipulação empírica do objeto em questão. Resultando em uma problematização sempre atualizada dos conceitos postulados e numa dificuldade de atingir uma verdade que pode ser reproduzida em dados empíricos. Os conceitos que o professor desenhou podem ser definidos como negativos em sua radicalidade, ou seja, na sua raiz. Assim como o termo ciência se confundia, por vezes, com o termo filosofia no século XIX, com a tendência geral de uma positivação do saber esses dois termos foram separados de modo a delimitar de modo mais claro a diferença entre o saber positivo e o saber não-positivo e o termo ciência parece hoje estar ligado a uma produção de saberes positivos. Veremos agora como a reflexão saussuriana aponta para o saber não-positivo, que pode ser percebido, por alguns, como uma reflexão filosófica. Apesar dessa ordem do não-positivo estar apresentada em todos os conceitos formulados pelo professor, como o signo, o sistema, a mutabilidade e a imutabilidade, a arbitrariedade, entre outros, esse caráter é muito mais evidente na teoria do valor, e por esta razão trataremos apenas do valor no presente artigo.

2. NEGATIVIDADE E DIFERENÇA

O termo valor designa, na teoria de Saussure, uma pluralidade de fatos. Primeiramente, podemos observar que o professor não estabeleceu, de início, uma diferença séria entre os termos: valor, sentido, significação. Mas ele disse que o valor passava a existir pela oposição que os signos estabelecem entre si. Podemos ler Saussure (1996: 134-135, grifos do autor): No interior de uma mesma língua, todas as palavras que exprimem ideias vizinhas se limitam reciprocamente: sinônimos como recear, temer, ter medo só têm valor próprio pela oposição [...] Assim, o valor de qualquer termo que seja está determinado por aquilo que o rodeia.
Normand (2009:27) nos aponta para alguns aspectos dessa formulação de Saussure. Primeiro podemos perceber que o professor não delimita a unidade com que trabalha, mas oferece como solução a pura oposição de valores; que ele nos oferece uma análise puramente intelectual dos dados da língua por meio de um procedimento empírico de comparação. Mas esse procedimento de comparar conduz a resultados negativos, o que parece algo contraditório. As diferenças delimitam ideias próximas, ou, dito de outra forma, os valores delimitam-se reciprocamente e formam um sistema.

3. UMA FILOSOFIA DA LÍNGUA OU DA LINGUAGEM?

Falar de uma filosofia da linguagem pode causar um estranhamento inicial quando lembramos que Saussure escolheu a língua como objeto de estudo e não a linguagem. Essa escolha, inclusive, permitiu à Linguística erigir-se como ciência piloto no início do século XX. Voltemos ao texto publicado por Bally e Sechehaye ao apresentar a língua como objeto: “É necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações da linguagem”. (SAUSSURE, 1996, p. 16). Ao realizar esse gesto inaugural, o professor o faz em relação à complexidade da linguagem, que “tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita”. Todas as razões elencadas por Saussure para justificar a escolha pela língua repousam numa contraposição à complexidade que a linguagem apresenta, desse modo, podemos entender que escolher a língua como objeto ao invés da linguagem aponta para uma preocupação com a linguagem, pois a língua serviria de norma ou modelo de outras manifestações da linguagem. Será que isto nos aponta a uma preocupação com a linguagem? O problema, aparentemente resolvido de modo simples com a frase acima citada da edição de 1916 é que “o ponto de vista que cria o objeto” (1996: 15), ou seja, não há para o linguista um objeto pré-defino, como outras ciências podem ter. A obscuridade do objeto é algo que leva o professor a falar de uma impossibilidade de obter um ponto de partida evidente, Saussure (2002: 240) diz: Unde exoriar? – É essa a questão pouco pretensiosa e, até mesmo, terrivelmente positiva e modesta que se pode colocar antes de tentar abordar, por algum ponto, a substância deslizante da língua. Se o que pretendo dizer a respeito disso é verdade, não há um único ponto de partida evidente. Desse modo percebemos uma inquietação para chegar a uma definição simples do que seria o objeto de estudo do linguista. Essa inquietação advém da ideia de que não há como apresentar uma visão “positiva” do saber sobre a língua ou mesmo sobre a linguagem. Definir o que é negativo e diferencial é inicialmente perturbador. A impossibilidade de verificação leva a uma inquietação desesperadora para muitos. Concluir que a perspectiva empirista não pode dar conta da reflexão saussuriana, apesar de muitos critérios empiristas serem satisfeitos, como um método e um objeto, trata-se de outro saber, trata-se de pura forma, sem substância. Entendemos que a ao escrever sobre a língua, o professor tinha como alvo maior a linguagem em toda a sua complexidade. Que língua e linguagem se delimitam reciprocamente. Ainda nos perguntamos: Saussure supõe uma reflexão de amplitude filosófica?

4. FILOSOFIA E LINGUAGEM

Os filósofos sempre se perguntaram como a linguagem se relaciona com o mundo e de que modo a linguagem se relaciona com a mente humana, o que constitui os sentidos ou qual a importância da linguagem no processo de nossa constituição como seres humanos. A Filosofia da Linguagem é uma disciplina que se ocupa hoje de tais questionamentos. Podemos afirmar que a linguagem pertence à filosofia se concluirmos que este é o primeiro conhecimento humano e que esta relação entre linguagem e conhecimento sempre esteve posta a nossa frente. Sobre as principais correntes da Filosofia da Linguagem Normand (2009: 108) nos apresenta que a linguagem sempre concerniu à filosofia. A autora nos lembra do Círculo de Viena e da necessidade de adotar um ponto de vista outro sobre a linguagem se tratando de filosofia da linguagem, o da significação e do sentido, tanto ao tratar da epistemologia como da metafísica. Interessante lembrar que Bouquet (2002) aponta para a presença de uma base metafísica na reflexão saussuriana, tanto quanto a presença de questões epistemológicas. Nomes como T. Hobbes, P. Feyerabend, Frege, Hacking, Locke, Descartes, De Popper, Kant, Leibnitz, Foucault, entre muitos outros abraçam discussão que remota ao Menon de Platão, onde Sócrates dialoga com um jovem escravo sobre o conhecimento da geometria e não possui um ponto final. A reflexão saussuriana nos dá a resposta para esta constante reformulação e problematização: trata-se de forma e não de substância. Isto implica numa reformulação constante, já que não há uma substância diretamente verificável. Esta questão não se esgota nessas poucas palavras aqui colocadas, mas nos leva a reler a reflexão de Saussure de um novo ponto de vista, que abarca o sentido, e para alguns, o sujeito falante, como Bouquet (2002:301) nos diz: Nem substancialismo aristotélico, nem esquematismo kantiano, a metafísica de Saussure se manifesta como o abre-te sésamo que permite pensar no elo de três anéis que se ligam dois a dois pela intermediação do terceiro – sendo esses três anéis Um de todas as coisas, a álgebra da língua e o espírito do homem. Nisso a semântica de Saussure ilumina, provavelmente, além dos horizontes epistemológicos, horizontes metafísicos virgens ainda. Observamos que apesar da reflexão saussuriana apresentar uma dimensão filosófica, não podemos deixar de notar que a escolha do objeto permitiu tratar a Linguística como ciência. Talvez, como diz Dosse (2007: 81), “mais que um método e menos que uma filosofia”, é isto que Saussure inaugura. Dessa perspectiva o discurso Saussuriano é fruto de uma discussão positivista do seu tempo. E não podemos fechar os olhos para a postura científica dos escritos de Saussure do mesmo modo que não podemos fechar os olhos para a dimensão filosófica dos construtos teóricos do professor. A oscilação entre o saber cientifico e filosófico que há nas palavras escritas por Saussure, produz um saber não-positivo que confere à Linguística a etiqueta de Ciência que se inscreve na história da Linguística como gesto inaugural de um saber positivo sobre os fenômenos da linguagem humana.

Fonte: BASÍLIO, Raquel. Saussure: uma filosofia da linguística?. ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010. [www.revel.inf.br].