A morte das línguas
Vimos um exemplo de um fenômeno comum: uma língua (como o latim),
quando
se espalha por uma grande região geográfica (como a Europa), acaba com o tempo
desdobrando-se em novas línguas que não existiam antes (como o francês, o
espanhol, o italiano). Esse é um dos processos de formação de novas línguas.
Mas podemos imaginar que, para cada língua que "nasceu" na Europa a
partir do latim, dezenas de línguas "morreram". As pessoas que antes
falavam outras línguas, acabaram falando uma forma do latim que hoje chamamos
espanhol, francês, português, etc. Por exemplo, no tempo do império romano,
toda a região do oeste da Europa (norte da Itália, Suíça, parte da Alemanha,
França, Bélgica) era chamada Gália pelos romanos. Nessa região, falavam-se
várias línguas celtas. Os gauleses resistiram à invasão romana (lembrem-se das
aventuras do Asterix!), mas no fim foram dominados, e todas as línguas celtas
que eles falavam desapareceram.
Todas as estimativas de
população são apenas aproximadas, porque a população mundial está crescendo
muito rapidamente! Quando eu estava no colégio (1960), a população mundial era
de 3 bilhões. No ano 2000, já tinha dobrado para 6 bilhões. Nos últimos sete
anos, cresceu mais 700 milhões! As estimativas do número de falantes das
línguas variam muito e dependem de vários fatores, como: quando a estimativa
foi feita, quais variedades de cada língua foram consideradas, se inclui ou não
falantes da língua como segunda língua, etc. A mesma coisa aconteceu nas Ilhas
Britânicas, quando foram invadidas pelas tribos germânicas a partir do século
V. Os povos germânicos massacraram e afugentaram os povos celtas que habitavam
a ilha. A língua que resultou da invasão e conquista foi a língua inglesa (uma
língua germânica), mas a custo da perda das línguas celtas indígenas da ilha.
Hoje só restam línguas celtas nas margens da Inglaterra, no norte da Escócia,
na Irlanda e no País de Gales. A parte ocidental (ao oeste) da península
ibérica também foi colonizada por gauleses, povos de língua celta. É por isso
que Portugal se chama porto-gal (porto
gaulês), e que a língua falada na parte da Espanha que fica bem ao norte de
Portugal se chama galego. Mas o português e o galego são línguas românicas,
e não línguas celtas. As línguas dos antigos povos celtas desapareceram. Então
vimos que algumas línguas crescem a custo de outras. As pessoas, numa região em
que duas ou mais línguas são usadas, muitas vezes acabam optando pela língua
que tem mais prestígio, que é usada pelo poder, e que pode trazer mais
benefícios. Quando deixam de usar uma língua, e quando os últimos falantes
daquela língua morrem, a língua também morre. Se a língua é escrita, ainda
podemos saber algo sobre ela, mas a maioria das línguas não tem escrita e, quando
morrem, desaparecem para sempre.
A morte de línguas continua acontecendo. Alguns lingüistas estimam
que, nos próximos 50 anos, 50% das línguas que existem hoje – 3500 dos quase
7000 línguas – vão morrer. O Ethnologue lista
516 línguas no mundo já quase extintas. A
maioria delas tem menos de 50 falantes. Veja a lista de línguas quase extintas
para ver o número de pessoas que ainda falam essas línguas.
Repare quantas línguas brasileiras estão
nessa lista! Lingüistas no Brasil
incluem até mais línguas brasileiras ameaçadas
de morte. As línguas de sinais do mundo não são exceções. Um artigo recente
traz estatísticas que mostram que a população de surdos natos na Austrália está
diminuindo.8 Com o controle genético, com o melhor controle da rubéola, com o
implante coclear e com a política da inclusão, entre outros fatores, a
comunidade surda australiana pode diminuir a ponto de ser difícil manter a
língua de sinais australiana, dentro de algumas décadas. Alguns celtas que
escaparam dos invasores germânicos fugiram para o oeste da França, onde ainda
existe o bretão, outra língua celta que sobreviveu.
Ver,
por exemplo, <http://www.ethnologue.com/nearly_extinct.asp>.
8Trevor Johnston, W(h)ither the deaf
community: Population, genetics, and the future of
Australian Sign Language, Sign Language Studies, v. 6, n. 2, 2006.
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Fonte: Curso de Licenciatura em Letras-Libras
2007 - UFSC
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